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No Limiar da Sombra - I

Uma força sinistra crescia desapercebida em Grandil. Rumores de que um cheiro podre tomava conta da cidade durante a noite vindo do poço central. O que era aquilo?

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Merla, a capital de Lavinia, é um lugar tipicamente pacífico onde os Halfings se estabeleceram após a consolidação do continente kaldoriano e a divisão dos estados feita pelo próprio Kaldor. A cidade é tomada por uma brisa leve e fresca, com campos e planícies verdes e brilhantes que se estendem até onde os olhos alcançam.

 

Ao Sul, a plantação de lavanda, marca registrada do Estado, é um ponto de visitação para turistas e de descanso para aventureiros que encontram em Merla a oportunidade de começarem suas vidas e deixarem sua marca na história do mundo para serem relembrados no futuro através de músicas cantadas nas tavernas e outros registros históricos.

 

Um dos lugares mais conhecidos da cidade é O Urso Embriagado, uma pequena e simples taverna cuidada por Malvy, famoso por sua receita única de hidromel com especiarias que ele chama carinhosamente de Baba de Centauro – não o pergunte por quê. Viajantes e aventureiros com poucos recursos costumam passar por ali para se alimentar e repor seus estoques de mantimentos de viagens. Recentemente um boato sinistro tem corrido a cidade nos últimos dias: um grupo de guardas, incluindo um dos mais competentes da cidade, saiu em direção a Grandil, a Noroeste de Merla, e nunca mais foram vistos.


Algumas pessoas especulam que eles apenas levaram mais tempo para chegar a Grandil. Outras dizem que eles apenas foram pegos por uma tempestade imprevista. Mas no fundo do coração de todos ainda restava a dúvida: será mesmo que o mal foi expulso de Lavínia ou algum segredo sinistro ainda se escondia dentro daquelas florestas ao noroeste do Estado?


 


- Eu não tinha visto que eles passaram por aqui, só ouvi uns boatos naquela mesa do canto que um grupo de guardas se enfiou lá na floresta de Grandil e...

 

- Corellon me livre passar por aquela floresta! – interrompeu rapidamente Elyon, um jovem elfo que, assim como muitos em Merla, estava buscando começar sua vida como aventureiro – Dizem que um espírito maligno habita aquelas florestas e quem se atreve a se aventurar por ali, nunca mais volta.

 

- Tsc, isso é besteira, Elyon – disse Malvy o taverneiro, um homem alto e robusto, cujos braços sem muito esforço atravessavam o balcão d’O Urso Embriagado. Malvy tinha poucos cabelos e uma enorme barba castanho claro da qual ele se orgulhava, mas as marcas em seu rosto retratavam uma vida não muito fácil – Você sabe muito bem que eu não acredito nessas coisas e que fantasma é história para colocar criança para dormir mais cedo.

 

- AH-HÁ! – num pulo, Yardas, o troncudo anão amigo de Elyon, dono de um par de tranças nas barbas ruivas como metal enferrujado e de um enorme machado de batalha nas costas, o qual ele fazia questão de nunca se separar mesmo em momentos de descanso, engasgou-se na enorme caneca de cerveja que estava bebendo e já num tom alterado e com uma voz muito alta e embriagada continuou – POIS EU PREFIRO COLOCAR ORCS E GOBLINS PARA DORMIR COM ESSA BELEZINHA AQUI – e deu dois tapinhas no machado nas costas.

 

Elyon colocou a mão no rosto e sacodiu a cabeça discordando de Yardas bem a tempo de Elanil, a terceira companheira do grupo se aproximar quase que deslizando pelo pequeno salão d’O Urso Embriagado e colocar as mãos nos ombros de seu irmão Elyon e de Yardas.

 

- Mas eu não posso me afastar um minuto sequer que vocês já começam a fazer bagunça? – disse Elanil em tom jocoso – Olhem só – e a jovem Elfa puxou uma banqueta para ficar bem próxima aos dois companheiros no balcão da taverna. Ao sentar-se, ela se inclinou na direção deles e começou a falar em voz baixa, como se contasse algo que as pessoas ao redor não pudessem ouvir – Depois de deixar as minhas coisas na estalagem, no caminho para cá ouvi de uma dupla de guardas que estava patrulhando a cidade que tem alguma coisa estranha acontecendo em Grandil. Parece que alguma coisa surgiu do poço da cidade e estava atacando todo mundo e destruindo tudo pelo caminho. Eu não faço a menor ideia do que pode ser... Mas vejam bem – e assentiu vigorosamente com a cabeça, os olhos arregalados e um sorriso sinistro, tentando convencer a dupla - Essa pode ser a nossa chance de ficar famosos e finalmente fazer um pouco de dinheiro nessa vida.

 

Malvy que estava prestando atenção na conversa, se aproximou do trio se apoiando no balcão. Os três jovens aventureiros inclinaram a cabeça para escutar com atenção o que o taverneiro iria dizer.

 

- Tomem cuidado com o que vocês escolhem. É importante que vocês saibam que Merla foi recentemente palco de uma batalha contra os servos da sombra que cresce ao Norte de Kaldor. Além disso, os Balonoros, responsáveis pelo Culto do Dragão, foram expulsos da cidade e do estado de Lavínia e eu não faço a menor ideia do que eles podem estar tramando lá fora – Malvy olhou para o lado e respirou profundamente. Seus olhos se fixaram num canto nada especial na taverna, como se um filme estivesse passando em sua cabeça nesse momento e as imagens dessa lembrança deixavam o rosto do taverneiro ainda mais sisudo - Tirar a sombra do coração dos homens é uma tarefa ainda mais difícil quando poças de sangue estão em jogo e fazem refletir o ouro algumas vezes mais.

 

Os três novatos arregalaram os olhos e a tensão começou a tomar conta do local: a concentração em Malvy era tanta que por um instante eles pareceram estar sozinhos na taverna. O barulho da bagunça ao fundo deu lugar ao foco no depoimento de Malvy. As sombras bruxuleantes na parede pareciam tomar vida e forma e o troncudo taverneiro parecia ser duas vezes maior do que ele já era. As rugas e cicatrizes em seu rosto, agora ainda mais profundas e sinistras acompanhadas pelo olhar estático do taverneiro tomavam o lugar do clima de descontração de instantes atras. O trio percebeu então o vento frio que entrava pela fresta na porta da taverna e lutava contra as chamas nas velas e lamparinas do estabelecimento. Era tarde da noite em Merla e só neste momento os aventureiros perceberam a forte tempestade que castigava a cidade.

 

- As vezes as pessoas nascem com essa Sombra em seus corações e por mais que todos se esforcem, uma eterna batalha deve existir para garantir a paz nos lugares até que todo o mal seja expurgado do mundo.

 

Malvy voltou a olhar para os aventureiros e apontou para uma mesa onde um grupo de cinco pessoas compartilhavam um suculento leitão e algumas garrafas de hidromel.

 

- Fazem exatamente duas semanas que um grupo de guardas saiu em direção a Grandil para saber o que estava acontecendo. Um dos guardas era Cassius, pai das duas pessoas sentadas no banco a direita. Os outros dois, no banco a esquerda, são amigos da família e o cara na ponta do banco é um dos soldados mais próximos a Cassius e também amigo da família.

 

O trio olhou de volta para Malvy, ainda sem entender exatamente o que estava acontecendo.

 

- A viagem para Grandil leva cinco dias. A essa altura já era para eles terem voltado ou ao menos enviado um mensageiro a cavalo ou pela Escada de Prata para reportar o que está acontecendo em Grandil, mas até agora nenhuma notícia. O protocolo militar não foi cumprido e meus bons anos como taverneiro me dizem que alguma coisa não está certa. – Completou o taverneiro.

 

- Ah... Eles devem ter sido pegos por uma chuva no caminho ou... Hm, ou tiveram que mudar o caminho, não é? – disse Elanil dando ligeiros tapinhas no ombro dos seus parceiros, com um meio sorriso que tentava esconder o medo e motivá-los ao mesmo tempo – Err...Não é, pessoal?

 

Os outros dois olham para baixo pensativos e inclinam a cabeça devolvendo um olhar igualmente tenso para Elanil.

 

- Algo estranho está para acontecer. Eu posso sentir na chuva o cheiro de violência, de combate, de ódio e... de sangue, Elanil. – disse Malvy, encarando profundamente a novata – Estejam atentos, não baixem a guarda nunca e... – Ele aponta para o símbolo dourado em forma de sol pendurado no colar usado por Elanil – Rezem para que seus deuses tenham dó da alma de vocês caso algo ruim aconteça.

 

Repentinamente os três deram um pulo na cadeira e seus corações dispararam quando um forte trovão atravessou o ar. A cidade foi imediatamente tomada pelo barulho feito pelos cavalos nos estábulos. Guinchos e relinchos tomaram conta do silêncio da noite e podiam ser ouvidos em cada ponta da cidade.

 

Num segundo trovão, dessa vez acompanhado por um relâmpago, os aventureiros viram através da janela da taverna, a silhueta de um cavalo se aproximado na imensa escuridão da noite e num salto, todos no local correram para a janela para ver o que estava acontecendo.

 

O cavalo trotava tropego pela rua de Merla. Sua cabeça balançava de um lado para o outro num movimento errante que o fazia caminhar até de lado em alguns momentos. A silhueta ia crescendo à medida que ele se aproximava da taverna e os passos ficavam cada vez mais descompassados. Num segundo relâmpago os aventureiros perceberam que o cavalo arrastava algo preso ao pescoço e essa coisa imóvel era frequentemente pisoteada pelo próprio cavalo enquanto ele tentava caminhar.

 

Então, num último golpe gelado que atravessou as frestas da porta e das janelas, a batalha contra o vento estava decida: as chamas da taverna perderam a guerra e agora apenas a lareira no canto iluminava o pequeno salão.

 

Finalmente, num último guincho o cavalo tombou na rua logo abaixo d’O Urso Embriagado. Um minuto de silêncio que mais pareceu uma eternidade, tomou conta da taverna enquanto todos esperavam alguém tomar alguma atitude. Dizem que quando o Mal chega, a coragem no coração dos homens desaparece, como um rato se esgueirando entre frestas na parede, fugindo de seu algoz felino.

 

Com Malvy não era diferente, mas ainda assim o taverneiro correu até o balcão, sacou um machado e uma tocha apagada, olhou rapidamente em volta e foi até a lareira para acendê-la.

 

- Malvy, aonde você vai? – disse Elanil acompanha dos dois companheiros – Você não vai lá fora, né? Você nem sabe o que é aquela coisa.

 

- E se for uma armadilha ou algo do tipo? – completou Elyon com a voz esganiçada e olhando em volta assustado como se a qualquer momento uma sombra fosse emergir de um canto qualquer e arrancar sua cabeça.

 

- Fiquem aqui e eu vou até lá ver o que é aquilo. Fiquem aqui pois... – Continuou Malvy que foi prontamente interrompido por Yardas, o anão.

 

- É claro que nós vamos com você. A gente não veio até aqui de bobeira.

 

Malvy, que não queria perder tempo, assentiu com a cabeça e acompanhado pelos três aventureiros rapidamente deixou a taverna.

 

Quando abriram a porta do local sentiram o vento frio congelar seus ossos e carne e mesmo com o coração disparado e a adrenalina correndo em suas veias, a tremedeira tomou conta dos quatro enquanto corriam rua abaixo em direção ao cavalo.

 

Ao chegarem lá, o local havia se transformado numa cena perturbadora. O cheiro de morte, o sangue diluído nas poças de água e o estado indescritível do cavalo chocaram os aventureiros: não era possível saber o que eram pelos e vísceras, onde começava e terminava o focinho e a crina enquanto um líquido preto e fétido escorria pela boca do animal. E os olhos... Aquilo eram os olhos?

 

Se a imagem do cavalo já não fosse perturbadora o suficiente, a coisa que estava sendo arrastada exalava o mesmo cheiro, mas era uma figura menor que o cavalo. Uma parte dessa coisa ainda estava presa à sela e um olhar mais atento... Aquilo era... Uma perna?

 

Com muito cuidado, Malvy se aproximou desta coisa e virou-a para cima.

 

Aqui, palavras escritas não são capazes de descrever o que era (ou um dia foi) aquilo que estava sendo arrastado pelo cavalo. Mas uma coisa era certa: o horror que aquela cena causou ficaria para sempre marcado em suas memórias.

 

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